Meu texto. — Nevra
Quando pisamos para fora do portal, a primeira coisa que fiz foi correr para os braços de Huang Chu, abraçando-a o mais forte que eu podia. Claro que poderia ir qualquer um que não fosse Nevra, mas ela-!!!
— Ficou doida?! — berrei. — Eu- Eu poderia-
— Não poderia, Malmai. Tá tudo bem. — ela sorri. — Eu consegui e não morri, é o que importa.
Enquanto estava em seus braços, me permiti olhar bem ao redor, me deparando com um lugar que me era familiar.
Me livrei dos braços de minha amiga quase que de maneira grosseira, comecei a andar em círculos, observando as árvores, o gramado, uma mesa de madeira que servia para piqueniques.
— Eu- Eu conheço este lugar. — engoli em seco, involuntariamente fiquei apavorada. — Eu conheço… Eu… Foi aqui onde eu sumi. — me virei para eles. Estavam impassíveis, mas Nevra e Mateus pareciam me entender de alguma forma.
Conversamos e bolamos um plano sobre o que deveríamos fazer ali e chegamos à terrível conclusão de que precisávamos de dinheiro. Infelizmente é assim que a humanidade funciona, tudo gira ao redor do dinheiro. E me lembrei de que sabia muito bem onde meu pai guardava o dele. E não faria diferença pegar um pouco roubado- emprestado.
Decidimos que eu iria, e Nevra se voluntariou para ir comigo. À princípio não disse nada, mas queria beijá-lo sem parar para mostrar minha gratidão. Ir sozinha à casa dos meus pais definitivamente não me faria bem. Eu nunca admitiria isso em alto e bom tom, mas era verdade.
Pedi para que ele me seguisse e andei determinada até a casa dos meus pais. Eu ainda lembrava perfeitamente de onde era, as casas e os botecos por onde passava… Os botecos!
Eu sabia que deveríamos ser ligeiros, mas ouvi uma música tocar. Meu olhar se iluminou quase que instantaneamente, e eu não consegui ficar parada. Era simplesmente Lambada que estava tocando. Os velhos do bar balançavam a cabeça no ritmo da música e tomavam cerveja, devia estar terrivelmente quente, mas ainda estavam felizes, e com o tão famigerado “dinheiro de bêbado” em cima da mesa. As mulheres estavam ao redor da caixinha de som, dançando no ritmo da música.
Cravei meu olhar em Nevra e sorri grande, me lembrando de todas as vezes que passei por ali e parei meus pais para que pudéssemos ouvir um pouco de música, ou quando assim que fiz 18 anos, a primeira coisa que fiz foi tomar uma cerveja naquele mesmo lugar.
E pensei de repente, que ele não sabia o que uma caixa de som era. Tudo que ele conhecia era música tocada ao vivo e em cores.
— Seu coração acelerou. — ele sorriu gentil. — O que foi?
— Por favor. — eu pedi, supliquei. — Vamos parar um pouco aqui. Apenas alguns minutos! — não esperei que ele respondesse e corri para dentro do lugar. Ele não teve outra escolha a não ser me seguir.
— Nós temos que-
— Eu sei, eu sei! Mas olha isso.
Fiquei atrás dele e o segurei pela cintura, empurrando-o gentilmente até o aparelho de som. Era a mesma da última vez que estive ali, assim como eu me lembrava. O aparelho ao meio, duas caixas de som ao lado tocando a música alta, vários botões grandes que eu nem me lembrava mais para que serviam, a entrada do USB e do CD.
Não me contive e inclinei o rosto para o lado dele, querendo ver sua reação. Ele tinha a sobrancelha arqueada, mais assustado do que surpreso.
— O que é isso? É magia?
— Não, não! — eu ri com gosto da reação dele, que era exatamente a que eu esperava. — É tecnologia humana. São vários fios e… Ah, eu também não sei explicar, são várias coisinhas aí dentro que-
— As pessoas estão aí dentro cantando? — ele fez uma cara aterrorizada. — Que cruel…
— Não!!! — gargalhei. — Não, não tem ninguém aí dentro! São… É… — eu não soube nem explicar o que era internet e luz elétrica, imagine uma maldita caixinha de som!!! — Pense que assim — comecei a gesticular estupidamente. —, a música fica guardada e aí ela vai passando por todas as caixas como essa em todos os lugares do mundo, basta que tenha uma caixa. Entendeu?
— Não. — ele deu um sorriso amarelo. Eu podia ouvir o pensamento dele, eu tinha certeza de que ele pensava o quão mal eu explicava as coisas. — Mas entendi que não tem ninguém aí dentro. Pode continuar explicando, de qualquer forma. — Nevra cruzou os braços
— Engraçadinho. Eu não vou ficar me humilhando pra explicar-
— Mas é uma festa?
— Não. — balancei a cabeça. — É só mais uma… — procurei um calendário de farmácia na parede. — Só mais uma quarta-feira.
— Impressionante o entusiasmo humano. Achei que vocês- — ele se interrompeu imediatamente, o sorriso divertido dele morreu por alguns instantes. — Eles. Achei que eles fossem mais desanimados.
— Não somos- — fechei os olhos com força por alguns segundos antes de retomar a minha fala. — Não são… Mas, você me concede a honra de conduzi-lo a uma dança, meu querido Nevra?
— Com prazer, Malmai, a última aengel de Eldarya, a unificadora dos dois mundos. — disse num tom irônico. — Se você perdoar a minha estúpida gafe. — ri dele e o coloquei para segurar minha mão com força e com a outra segurar minha cintura.
Eu não era nenhuma dançarina profissional nos meus dias comuns de humana, mas eu tinha uma noção de como deveria dançar. Coloquei nossas pernas encaixadas enquanto mexia meu quadril para os lados e balançava o cabelo também. Quando achei que ele estava se acostumando com a dança, ousei fazê-lo me girar por uns instantes até que realmente fiquei zonza e tive que colocar as mãos em seu tronco para que não caísse. Ele me segurou forte.
Uma mulher bateu palmas e me ofereceu uma cerveja. Eu ri e tive que recusar. Afinal, estava prestes a subir muros e roubar dinheiro do meu pai, então não era uma boa ideia beber. Ela fez uma careta triste e foi se sentar.
— Já aprendi duas- Não, três coisas com os humanos. — ele sorriu de lado. — Um, vocês tem uma caixa mágica que sai música, sem pessoas minúsculas dentro, mas que a música fica guardada até que todos usem. — não era bem isso, mas eu só assenti, sem conseguir parar de sorrir. — Dois, fazem festa sem data comemorativa. Três, não gostam que se recuse cerveja.
— Mas se fosse um vinho quente… — eu enruguei o nariz para falar, puxando-o para fora dali comigo. — …talvez eu aceitasse.
— Um vinho quente. — ele me olhou pelo canto dos olhos. — Você está mais tranquila agora?
— Sim. Obrigada por ter me deixado dançar um pouco.
— Te ver bem me deixa tranquilo.
— Sabe, — decidi admitir logo antes que não tivesse coragem. — eu sempre sonhei em te mostrar essas coisas do meu mundo. — umedeci os lábios. — Mas nunca pensei que a primeira coisa que você conheceria fosse lambada e uma caixa de som. E que você fosse um ótimo dançarino!
Nevra abriu a boca para responder, mas decidi interrompê-lo beijando-o gentilmente, acariciando seus cabelos escuros. Sorri contra seus lábios e olhei no fundo dos seus olhos, me deixando imaginar como seria se essa fosse só mais uma quarta-feira.