Meu Texto — Ezarel
Eu ando a passos largos. Não posso perder tempo, já que a bola de pelos avisou que a viagem deve ser breve, e que em cerca de 1 hora voltaria para me buscar.
Não me leve a mal, eu gosto do Purroko, mas ele deve ter algum tipo de queda por minhas maanas.
E para piorar, fui parar logo no calabouço. Nem para ter me mandado para a sala das portas ou para o mercado central. Custava, Purroko?
Subo as malditas escadas, em direção à Sala das Portas.
O lugar parecia mais brilhante, me impressiono com as habilidades de Miiko para decorações.
Observo mais um pouco, até que tenho meus devaneios interrompidos por uns ruídos vindos da Sala de Cristal.
Como uma curiosa de nascença, não hesito em ir atrás.
Ando silenciosamente até o corredor das guardas, me escondendo por trás da porta e concentrando todo o resto de concentração e audição que me restam para ouvir as vozes naquela sala.
—E por que você tem que ir embora? Depois de tudo... —sinto um aperto no meu coração ao reconhecer essa voz. Era o Nevra, mas por que ele parece tão magoado?
—Eu não consigo, Nevra! Todos eles se foram, Ykhar, Valk, ela...— essa voz é incrivelmente familiar, porém o embargo e a mágoa me impediam de reconhecer a identidade do interlocutor.
—Nem tudo é sobre o seu orgulho, Ezarel! —Nevra rosna, e fico surpresa. Ezarel vai embora? —Poderia ao menos uma vez parar de tentar de fugir? De tentar pagar de bonzão? Ao menos uma vez?!— ele se descontrola, e quase cedo ao impulso de separar os dois, até que ouço um suspiro — Você não conseguiria admitir, mas dá pra ver o quanto está infeliz. —o vampiro aparentemente está tentando consolá-lo.
— Deveria tentar olhar para si mesmo antes de falar qualquer coisa. —Ezarel bufa, a voz já mais controlada. Antes de Nevra o interromper, ele prossegue —Orgulhoso, eu? Você quem continua tentando agarrar o mundo com essa sua enorme teimosia. Mas eu não sou obrigado a ver e muito menos ajudar nisso.— noto o tom de deboche na voz dele. E, conhecendo-o como conheço, sei que por trás desse deboche há mágoa. Nevra não é ingênuo, e sei que sabe também.
O que havia acontecido para eles estarem brigando assim?
—Eu também sinto falta dela, Ezarel. Ela também era minha amiga.
—E quem disse que a Érika é o motivo de eu ir embora?! Nem tudo é sobre ela, Nevra.
Pera, eu?
—Se ela não tivesse se sacrificado, não estaríamos nesse ponto. E ela já teria te dado uma bronca por causa desse seu orgulho! —Nevra rebate, aumentando o tom de voz.
Espera, eu morri?
—Já disse que não sou orgulhoso!— eu havia listado diversas causas para aquela briga, mas nunca pensei que minha morte fosse uma delas.
Acidentalmente, esbarro de leve na parede, o que produz um barulho até que bem baixo, mas o suficiente para fazer Nevra sentir minha presença.
—Nevra? O que você...— por algum motivo ele se cala, fazendo meu sangue gelar. Considero se deveria correr. Porém mal tive tempo para pensar, já que estava sendo cercada. Eles me analisam da cabeça aos pés, se entreolhando, visivelmente confusos, mais o Nevra do que o Ezarel, este que volta a me encarar.
—Será ela mesmo?— Nevra murmura, espantado.
—Óbvio que não, Nevra. Claramente deve ser algum ser metamorfo. Se bem que... — ele aparenta considerar alguma coisa, desviando os olhos —Como ele poderia saber como a Érika é? O sacrifício aconteceu há anos, se houvesse um ser metamorfo há tanto tempo, com certeza saberíamos!
Nevra fecha a cara, virando-se para mim.
— Revele-se criatura. E responda: Como conhece a Érika?— ele usava um tom de voz autoritário, como se tentasse me intimidar. Reviro os olhos, e o vampiro assume uma expressão de dúvida.— Ezarel, e se for ela?
—Nevra, eu entendo que queira acreditar que ela está viva. Mas literalmente acabamos de ver a sombra dela no cristal.— falou, como se aquilo fosse óbvio.
Ok, agora eu estou realmente confusa.
—A minha sombra está no cristal?
Os dois arregalam os olhos, me analisando de novo. Ezarel é o primeiro a se recompor, indo até mim.
—Calado ser metamorfo, nós que fazemos as perguntas aqui. —e abre um sorriso ladino —Ou você prefere ir para o calabouço?
Isso soa extremamente familiar.
—Ei, eu não sou um ser metamorfo!—bufo, me voltando para os dois— Sou eu mesma, e nem ousem me colocar naquele lugar de novo!
—E isso é exatamente o que um ser metamorfo diria!— afirmou, como se tivesse ganhado na loteria— Se bem que a sua voz ficou perfeitamente nasal, idêntica à dela. Tenho que dar os parabéns, fico igualzinho!
—Não é melhor a gente tentar perguntar alguma coisa? Sabe, só pra ter certeza de que não é ela mesma?
Ezarel parece querer xingar o vampiro, porém se segura e se volta para mim.
—Então, “Érika”, se é você mesma, conte-nos algo que apenas você saberia.
Fico pensativa, analisando os resquícios da minha memória, que convenhamos não é das melhores. Fecho a cara ao ouvir um ouvir um ‘Eu sabia’ vindo daquele elfo rabugento, forçando ainda mais a minha mente a trabalhar.
Sorrio instantaneamente ao lembrar algo.
—Então, Ezarel... —caminho devagar circulando os dois, como se fosse interrogá-los — Se eu não fosse a Érika, como eu saberia que foi você quem roubou o pote de mel da ração do Nevra naquele dia?
O elfo instantaneamente fica com o rosto vermelho, e a expressão de irritação era quase imperceptível perto do cômico semblante de surpresa que o mesmo possuía.
—Então foi você? Poxa Ez, se você queria era só ter pedido!— o vampiro comenta, sério— Mas pensando bem, era bem óbvio. Até porque horas depois encontraram você na enfermaria passando mal.
Eu assinto, orgulhosa. E logo sou surpreendida por um abraço.
—ÉRIKA!— fiquei chocada ao notar que Nevra estava chorando— Sentimos tanto a sua falta, você... —o vampiro soluçava, tornando as seguintes palavras praticamente ininteligíveis.
Ezarel continuava imóvel, completamente supreso, consigo facilmente notar o semblante de mágoa no rosto do elfo. Aproximo dele, ainda com Nevra agarrado em mim, e o abraço.
Encaro-o, sorrindo, tentando transmitir confiança, mas logo em seguida lembro que estou no futuro.
—Certo, certo... Alguém pode me explicar o que diabos aconteceu?— como nenhum deles parecia em condições de explicar, eu suspiro e continuo— Mesmo que não entenda porque o meu eu do futuro está no cristal, ou o que aconteceu a ponto de vocês estarem brigando... Eu queria dizer que por mais que sinta a falta de vocês... eu vim do passado. Não sou a mesma Érika que sentem falta, me desculpem.
Consigo sentir os olhares fixos em mim, e surpreendentemente, não eram decepcionados, só... tristes.
Desisto da ideia de saber o que os feriu tanto. Procuro mentalmente algo para desviar do assunto, e rapidamente me lembro da conversa dos dois quando “cheguei”.
—Enfim...— os dois rapidamente saíram do transe— Por que estavam discutindo agora há pouco?
Ezarel desvia o olhar para o chão, rapidamente se recompondo, voltando a encarar o vampiro, este que assume um semblante irritado.
—Esta adorável princesa aqui estava querendo ir embora de Eel e abandonar a todos nós!
—Pera, o quê?!— eu falo indignada, e puxo o Ezarel pela orelha— Nos espere aqui, Nevra.— ele assente, com um visível sorriso de satisfação.— Não enche, se não vai ser o próximo.— rosno, e o sorrisinho rapidamente desaparece.
Puxo o elfo resmungão até a Sala das Portas, e assim que chegamos, eu o solto.
—O que você tem na cabeça, Ezarel?
Ele revira os olhos.
—Hm, vejamos. Cérebro, uma inteligência sobrenatural...
—Eu tô falando sério! Por que diabos ia abandonar a guarda?
—Eu não ia abandonar ninguém! Eu só... —ele desvia o olhar— não aguentava ter que lidar com tudo isso, todos... Esquece, você não entenderia.
—Eu não entendo, e pra ser honesta, prefiro não entender. Mas o que eu entendo é eu estou presa naquele cristal, e que houveram sacrifícios. Ezarel, somos seus melhores amigos, eu entendo que dói, mas você tem a guarda. Eles... Nós não iremos deixá-lo sozinho.
O olhar dele vai em direção ao corredor das guardas, onde Nevra está. Percebo o ressentimento em seus olhos. Entendo que ele queira se livrar da dor, mas...
Meus pensamentos são cortados quando vejo uma silhueta peluda ao longe.
Droga, Purreko, justo agora?!
—Ezarel, me desculpe, tenho que ir agora.
Ele me encara, desesperado.
—Ir? Ir para onde, para o passa...?
Eu gesticulo com a mão, fazendo ele se calar.
—Já deu a minha hora, não se esqueça do que eu te disse.
—Érika, por favor...
Contra a minha própria vontade, caminho até a porta principal, a caminho do Mercado Central, e Purreko sorri.
—Você sabe que quando voltar para o passado as suas ações serão anuladas, certo?
Nego decepcionada, porém não surpresa.
—Espero que eles saibam se cuidar.
Boa sorte, Ez.